terça-feira, 31 de maio de 2022
Colonialismo em Angola
- Minha revolta é contra o colonialismo, contra a polícia, contra como nossos pais são tratados.
Diz, e pega minha mão:
- Mais velho, olha: os portugueses chegaram a Angola em 1482, e só chegaram ao Brasil em 1500. Entretanto, olha o Brasil evoluiu e Angola ficou. Angola foi sempre uma terra de exploração do homem para desenvolver outras terras. Portugal, com toda a sua teoria, não quer nada com o homem negro de Angola. 99% da população africana de Angola, Guiné e Moçambique é considerada “não civilizada” pelas leis portuguesas. 0,3% da população é considerada “assimilada”. Porque, mesmo terminada a escravidão no mundo, Portugal continuou com o sistema de contrato obrigatório, levando os negros a trabalhar obrigatoriamente para as fazendas dos colonos, ou então deportados para São Tomé e Príncipe. 20.000 trabalhadores de Angola, Moçambique e de Cabo Verde fazem faina de doze horas de trabalho por dia nas roças dos colonos de São Tomé, no coração da zona equatorial. Todos os anos são alugados 250.000 angolanos para as plantações, sociedades mineiras e empresas de construção. Todos os anos 400.000 moçambicanos são submetidos ao trabalho forçado, cerca de 100.000 para as minas da África do Sul e das Rodésias. Nós temos as nossas aspirações, mais-velho. Isto não pode ficar assim.
SOUSA, Lúcio Sousa, O Diabo foi meu padeiro, Alfragide, D. Quixote, 2019, pp. 197-198.
Como a sentir a tua cara rente
Como a sentir a tua cara rente
à minha e as tuas mãos nas minhas, ou
como se a dança amarguradamente
nos desse nesta noite ainda um slow
levado a medo, apenas a ternura
a conduzir de leve os nossos passos
e o corpo estremecendo-te à procura
do seu lugar na grade dos meus braços,
e a luz, fina película de vidros
por entre a frialdade de janeiro,
a trespassar os corações partidos
estranhamente, e o meu sendo o primeiro.
como se não doesse o que doía
na própria dor tingida de alegria.
MOURA, Vasco Graça, Laocoonte, rimas várias, andamentos graves, Quetzal Editores, 2005, p. 46.
Horizonte vazio
Horizonte vazio em que nada resta
Dessa fabulosa festa
Que um dia se iluminou.
As tuas linhas outrora foram fundas e vastas,
Mas hoje estão vazias e gastas
E foi o meu desejo que as gastou.
Era do pinhal verde que descia
A noite bailando em silenciosos passos,
E naquele pedaço de mar ao longe ardia
O chamamento infinito dos espaços.
Nos areais cantava a claridade,
E cada pinheiro continha
No irreprimível subir da sua linha
A explicação de toda a heroicidade.
Horizonte vazio, esqueleto do meu sonho,
Árvore morta sem fruto,
Em teu redor deponho
A solidão, o caos e o luto.
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner, Obra do mar, Caminho, 5.ª edição, 2005, p. 75.
segunda-feira, 30 de maio de 2022
Anjo Custódio
Museu Municipal do Crato |
domingo, 29 de maio de 2022
Os sentidos e a mente
Os sentidos são a ferramenta da mente
e a mente é a ferramenta do Espírito.
Quando a mente se confunde, é o Espírito
que resgata a claridade e a harmonia.
Os nossos desejos e pensamentos
espalham-se pela alma
como ervas daninhas sobre o espelho de um lago.
O ego prospera em água turva,
enquanto a mente precisa de clareza e transparência.
Que a mente seja o mestre
e os sentidos,os seus fiéis servidores.
Um mestre capaz de adormecer os seus sentidos
consegue vislumbrar o invisível que emana do Espírito.
Mesmo quando está desperto, ele sonha,
sonha que abre os portões da Verdade Divina.
RUMI, O Pequeno livro da vida - o jardim da alma, do coração e do espírito, Alma dos Livros, 2020, p. 28.
Os dias são tão frágeis
os dias são tão frágeis
nas pétalas de sombra
que os tornam imperfeitos,
inconclusos, ásperos
e tão interrogados.
os deuses querem sempre
dos dias a oferenda
quando a luz é mais pálida
em tons de azul ou malva.
e quando a cor da cinza
começa a invadi-los,
prometem-nos em sonhos
a perfeição sonhada.
e entre o sonho e promessas
os dias não são nada,
só, entre desalento
e alento, a diferença
medida pelas flores
que vão murchando e a que
damos o nome de horas,
de modo a que vivamos
a medida de tantos
dias que são tão frágeis,
em pétalas de sombra
por isso mesmo belas.
vivamos, minha lésbia,
e amemos, assim seja
a tua pele de pétalas
de uns dias a corola.
mas quantos dias ouro?
MOURA, Vasco Graça, Laocoonte, rimas várias, andamentos graves, Quetzal Editores, 2005, p. 88-89.
sábado, 28 de maio de 2022
Viver no estrangeiro
Quem vive no estrangeiro deixa de ter por debaixo de si a rede de segurança que é, para todo o ser humano, o país natal, o país onde se tem a família, os colegas, os amigos e onde é fácil fazermo-nos entender na língua que conhecemos desde crianças.
KUNDERA, Milan, A Insustentável leveza do ser, Alfragide, D. Quixote, 32.ª edição, 2015, p. 99.
quinta-feira, 26 de maio de 2022
São Gonçalo de Lagos
Museu Municipal de Lagos |
terça-feira, 24 de maio de 2022
Outro corpo não P
Outro corpo não
só canto as tuas pernas
a tua boca morna
por dentro da saliva
Outros lábios não
só canto a tua língua
o teu púbis denso
curvo e em ogiva
Outro corpo não
só canto as tuas ancas
as tuas coxas magras
duras e compridas.
HORTA, Maria Teresa, As palavras do corpo, Lisboa, 2.ª edição, Publicações D. Quixote, 2014, p. 82.
Feliz, infeliz
Passo a vida à espera...
Esperança
de ser alguém
feliz!
Preferiste ser passado,
Não foste o meu presente,
apenas recordação no meu futuro...
Decidi viver
Mas não me livro do pensar
Não quero,
Mas penso sempre em ti...
Um amigo imaginário
que me faz infeliz!
XPTO
Histeria e energia
.... a privação sexual levava à histeria, que era desejável porque podia ser transformada em sede de guerra e culto do líder (...)
- Quando fazemos amor, consumimos energia; e, a seguir, sentimo-nos felizes e estamo-nos nas tintas para tudo. Eles não suportam que alguém se sinta assim. Querem que andemos o tempo todo a rebentar pelas costuras de energia - Todas essas marchas para aqui e acolá, os aplausos e o agitar das bandeiras não passam de sexo que passou do prazo. Se estivessermos felizes por dentro, porque haveríamos de ficar entusiasmados com o Grande Irmão...?
ORWELL, George, 1984, Alfragide, D. Quixote, 2019, p. 149.
Aguentar
Na realidade, não havia escapatória. Não faziam tenções de levar a cabo nem mesmo o único plano exequível, que era o suicídio. Aguentar dia após dia, semana após semana, prolongar um presente desprovido de futuro, parecia ser um instinto irreprimível, tal como os pulmões haverão sempre de inspirar enquanto houver ar disponível.
ORWELL, George, 1984, Alfragide, D. Quixote, 2019, pp. 170-171.
Confia sempre. Confia mais ainda.
Não falaste além do que devias, dever cumprido.
Disseste que o teu carro é puxado por pardais, biografia.
Falaste deles como se fosse os teus cavalos alados -
metamorfose. Transportadores e transportada em sintonia
- fragilidade. Ela te manterá alerta sobre a água, confia.
Confia ainda.
Não é por falares dos teus ossos rendilhados que
eles serão de bronze, leadade. Falaste de Deus como
se fosse teu primo e com ele mantivesses bodas conjugais
- não há profeta que não alimente o seu louco de estimação.
Não te envergonhes.
Declaraste que precisavas de sete vidas para fazer
o prometido estudo, fizeste bem. Insultaste o tempo, esse traidor
como devias, o teu labor. Chamaste os outros e ouviste-os. Não procures
esconder nada. O tempo vê, escuta e tudo revela - disse Sófocles do alto
das tragédias. Ele, que tudo sabia, ou quase tudo como o tempo, confia.
Confia nos séculos que hão-de vir, tal como os sábios. Quanto da
esperança é feita de asas de borboleta rendilhadas, confia ainda.
Confia sempre. Confia mais ainda.
JORGE, Lídia, Elogio da lúcida lucidez , O Livro das tréguas, Lisboa, D. Quixote, 2019, p. 29.
Procurei o amor
Procurei o amor, a sua humana forma
gerada na matriz das idades
por um eterno germe de amargura.
Mas o amor não existe, digo eu
com uma sede de boca calcinada,
com uma angústa de pupila seca
ou de sangue impotente que não pode
prolongar a península do filho.
E no entanto amei
uma vez, não sei quantas...
Pode acaso a chama
medir as suas azuladas vibrações
com o seu pulso de ar,
ou pode o sonho
determinar a eternidade abstracta
com o seu tacto de tempo retido?
Falo de amor como o entende minha sede,
com o seu passo de água,
o seu clima de pombas
e o seu segredo de afiladas vozes;
com o seu gozo gerado pelo pranto
numa idade sem meridiano,
a sua colheita de júbilos eternos
e o seu doce silêncio de raízes.
Esse não existe.
O homem nunca pode
dar ao amor a sua verdadeira forma,
como não pode o vento
dizer a dimensão das cores
nem a estrela a data em que nasceu.
Ah, se o pudesse encontrar!...
mas é tarde.
Passou por mim a vida
procurando o impossível
e agora não me fica senão o tempo
exacto do esquecimento.
Laura Vitória in Um país que sonha - cem anos de poesia colombiana, Assírio e Alvim, s.l., 2012, pp. 69-70.
segunda-feira, 23 de maio de 2022
acerados sinais
acerados sinais para o desejo,
os bicos do teu peito, quando os mordo,
já me desliza a mão noutro rebordo
e cheiro, provo, apalpo, escuto e vejo
entre o prazer e a sombra algum lampejo,
tropel de sensações em desacordo,
espuma que se forma e corre ao pôr do
sol e ao nascer do sol em cada beijo,
enquanto a tua língua me procura,
me percorre insistentemente e então, de leve,
refaz o seu caminho de saliva,
até que o cego ser se nos mistura
e o seu fulgor eterno, de tão breve,
faz com que nesse instante morra e viva.
MOURA, Vasco Graça, Laocoonte, rimas várias, andamentos graves, Quetzal Editores, 2005, p. 48.
Falo de amor e é grave?
ó meu amor, falo de amor e é grave
a ordem das palavars, se procuro
o lugar do teu rosto na canção
e nela te construo e és a chave
para abrir no que digo um osbcuro
ramal do coração a coração.
mas não será em vão
que tanto amor em tanta coisa fala
e em tanta sobressalta e em tanta acalma,
enfim, do que lhe dói,
tanta ilusão a que o real embala,
tanto rumor de súbito se cala
sempre que o amor se torna corpo e alma
e disso se constrói.
MOURA, Vasco Graça, Laocoonte, rimas várias, andamentos graves, Quetzal Editores, 2005, p. 119.
domingo, 22 de maio de 2022
Igreja de Santa Maria de Marvila
Fonte: Wikipédia.
Tunes
Até Tunes, depois, é um momento.
Como você virá a Portimão,
Mudará de comboio nessa estação
E segue no que vem p´ra barlavento.
BRAZ, João, Esta riqueza que o senhor me deu – Poemas, s.l., 2.ª edição, Edição do Autor, 1978, p. 86
sábado, 21 de maio de 2022
Dissemos e partimos
Dissemos, e partimos.
Ou quebra. ou movimento,
O sentido é ambíguo:
o reverso do rosto, o rudimento.
Sem melodia a frase e o compasso,
porque o som é um mastro
vertical
no deserto do astro.
Grande é o mundo, maior o universo,
mais ainda se o digo.
Converso com o verso:
Sinal de que estou vivo, mas em perigo.
Se esta rosa é rosa em cheiro e em sentido,
é por causa do nome.
Mas o gosto do pão que foi mordido
era o dente da fome.
Cá sentado no chão, entre formigas,
Numa ilha de nada,
com um jardim de urtigas
e uma rosa cortada.
SARAMAGO, José, Provavelmente alegria, Lisboa, Porto Editora, 2014, p. 61.
sexta-feira, 20 de maio de 2022
Igreja do Santíssimo Milagre
A igreja foi sagrada em 1241, sendo inicialmente denominada de Igreja de Santo Estêvão. Desde a sua fundação, o templo acolheu a sede da paróquia de Santo Estêvão, uma das mais importantes e abastadas da então vila de Santarém. Esta paróquia haveria de ser extinta já no século XIX, sendo então integrada na de Marvila. Em 1266, com a ocorrência do Milagre, o templo passou a ser conhecido por Santíssimo Milagre, acolhendo a partir de então as relíquias sagradas.
Fonte: Wikipédia