terça-feira, 17 de maio de 2022

Todas as noites não chegam para o amor

Todas as noites não chegam para o amor. Mas de manhã

ficam-te os lábios  estreitos para as palavras ditas ao ouvido

que pontuam os gestos, como as pedras enfeitam o leito

das correntes. A minha boca decerto sobreviviria aos próprios

gritos - e o meu corpo às queimaduras do teu corpo; mas


a manhã passou as janelas a limpo e o que ficou é uma caligrafia

trémula que lembra um bilhete de despedida - o corpo que se

oferece às dentadas da morte no campo imenso da sua solidão.


Eu não sabia que todas as noites do mundo eram efémeras.


PEDREIRA, Maria do Rosário, Poesia reunida, Lisboa, Quetzal, 2012, p. 100.

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