sábado, 7 de maio de 2022

Arte poética

Vai pois, poema, procura

a voz literal

que desocultamente fala

sob tanta literatura.


Se a escutares, porém, tapa os ouvidos,

porque pela primeira vez estás sozinho.

Regressa então, se puderes, pelo caminho

das interpretações e dos sentidos.


Mas não olhes para trás, não olhes para trás,

ou jamais te perderás;

e teu canto, insensanto, será feito

só de melancolia e de despeito.


E de discórdia. E todavia

sob tanto passado insepulto 

o que encontraste senão tumulto,

senão de novo ressentimento e ironia? 


 PINA, Manuel António, Os Livros, Lisboa, Assírio  Alvim, 2003, p. 19.

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