Não falaste além do que devias, dever cumprido.
Disseste que o teu carro é puxado por pardais, biografia.
Falaste deles como se fosse os teus cavalos alados -
metamorfose. Transportadores e transportada em sintonia
- fragilidade. Ela te manterá alerta sobre a água, confia.
Confia ainda.
Não é por falares dos teus ossos rendilhados que
eles serão de bronze, leadade. Falaste de Deus como
se fosse teu primo e com ele mantivesses bodas conjugais
- não há profeta que não alimente o seu louco de estimação.
Não te envergonhes.
Declaraste que precisavas de sete vidas para fazer
o prometido estudo, fizeste bem. Insultaste o tempo, esse traidor
como devias, o teu labor. Chamaste os outros e ouviste-os. Não procures
esconder nada. O tempo vê, escuta e tudo revela - disse Sófocles do alto
das tragédias. Ele, que tudo sabia, ou quase tudo como o tempo, confia.
Confia nos séculos que hão-de vir, tal como os sábios. Quanto da
esperança é feita de asas de borboleta rendilhadas, confia ainda.
Confia sempre. Confia mais ainda.
JORGE, Lídia, Elogio da lúcida lucidez , O Livro das tréguas, Lisboa, D. Quixote, 2019, p. 29.
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