terça-feira, 24 de maio de 2022

Confia sempre. Confia mais ainda.

Não falaste além do que devias, dever cumprido.

Disseste que o teu carro é puxado por pardais, biografia.

Falaste deles como se fosse os teus cavalos  alados -

metamorfose. Transportadores e transportada em sintonia

- fragilidade. Ela te manterá alerta sobre a água, confia.


Confia ainda.


Não é por falares dos teus ossos rendilhados que

eles serão de bronze, leadade. Falaste de Deus como 

se fosse teu primo e com ele mantivesses bodas conjugais

- não há profeta que não alimente o seu louco de estimação.

Não te envergonhes.


Declaraste que precisavas de sete vidas para fazer

o prometido estudo, fizeste bem. Insultaste o tempo, esse traidor

como devias, o teu labor. Chamaste os outros e ouviste-os. Não  procures

esconder nada. O tempo vê, escuta e tudo revela - disse Sófocles do alto

das tragédias. Ele, que tudo sabia, ou quase tudo como o tempo, confia.

Confia nos séculos que hão-de vir, tal como os sábios. Quanto da

esperança é feita de asas de borboleta rendilhadas, confia ainda.

Confia sempre. Confia mais ainda.


 JORGE, Lídia, Elogio da lúcida  lucidezO Livro das tréguas, Lisboa, D. Quixote, 2019, p. 29.

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