sábado, 7 de maio de 2022

Kavafiana

O desejo aparece de repente,

em qualquer sítio, a propósito de nada.

Na cozinha, caminhando pela rua.

Basta um olhar, um aceno, um roçar.

Mas dois corpos

têm também o seu amanhecer e o seu ocaso,

a sua rotina de amor e de sonhos,

de gestos sabidos até ao cansaço.

Dispersam-se os risos, deformam-se.

Há cinzas nas bocas

e o íntimo desdém.

Dois corpos têm a sua vida

e a sua morte um frente ao outro.

Basta o silêncio.


Maria Carranza in Um país que sonha - cem anos de poesia colombiana, Assírio e Alvim, s.l., 2012, p. 258.

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