sábado, 30 de abril de 2022

Três ou quatro sílabas

Neste país

onde se morre de coração inacabado

deixarei apenas três ou quatro sílabas

de cal viva junto à água.


É só o que me resta

e o bosque inocente do teu peito

meu tresloucado e doce e frágil

pássaro das areias apagadas.


Que estranho ofício o meu

procurar rente ao chão

uma folha entre a poeira e o sono

húmida ainda do primeiro sol.


ANDRADE, Eugénio de, Véspera da água, Porto, Assírio e Alvim, 2014, p. 57.

Natureza viva

Portimão 

 

No céu baila e divaga mais uma gaivota.

No chão perto do mar

outro baile circunda o coração.

Mas nunca saberei como se dança.

 

CARVALHO, Armando Silva, O País das minhas vísceras, Língua morta, 2021, p. 287.

Largo das Portas de Moura

Évora 
 

A quarta porta

É a solidão

o que o coração procura,

como poderei não 

saber o que não sei?


Estou cada vez mais longe de qualquer coisa,

regressarei alguma vez a tudo o que há-de vir?

O que está atrás de ti?


é a tua imagem

que o Urso persegue.

Este é um lado de tudo

e o outro é o mesmo e o outro.


PINA, Manuel António, Todas as palavras - poesia reunida, Porto, Assírio e Alvim, 2012, p. 87.                                    

Memória masoquista

Segundo o que quer fazer crer aos outros  e a si próprio, deixou o seu país porque não suportava vê-lo subjugado e humilhado. (....)

Terá a sua memória perdido no estrangeiro a influência nociva que tinha? Sim; porque aí Josef não tinha nem razões nem ocasiões de se ocupar das recordações ligadas ao país onde já não morava; tal é a lei da memória masoquista: à medida que trechos da sua vida caem no esquecimento, o homem desembaraça-se daquilo que já não gosta e sente-se mais leve, mais livre.

E sobretudo, no estrangeiro Josef apaixonou-se e o amor é  exaltação do tempo presente. O seu apego ao presente expulsou as recordações, protegeu-o contra as suas intervenções; a sua memória não se tornou menos malévola, mas, descurada, posta de lado, perdeu o seu poder sobre ele.


KUNDERA, Milan, A Ignorância, Porto, Edições Asa, 2001, p. 67.

Sentido de comunidade


 Portimão 

sexta-feira, 29 de abril de 2022

Olhando para o espelho

Shenandoah foi para o quarto e começou a vestir-se para o dia que tinha pela frente. Sentiu que o estado de desprezo que o tinha dominado enquanto escutava correpondia na verdade a autodesprezo e ignorância. Achou que a sua própria vida convidava a esta mesma ironia. A impressão que foi adquirindo ao olhar para o espelho era patética, pois sentia a curiosa omnisciência adquirida ao olhar para fotografias antigas em que os rostos a fazer pose, as roupas antiquadas e o próprio momento surgiam ridículos, ignorantes e desconhecedores da qualidade de época que realmente está lá e da posterior revelação de desperdício e fracasso.

A sra. Fish  concluíra a sua história afirmando que se tratava de um facto peculiar mas seguro que alguns seres humanos pareciam ser arruinados pelas suas melhores qualidades. esa declaração chocante começou a movimentar-se na cabela de Shenandoah e transformou-e numa generalização sobre o destino de todos os seres humanos e o dele próprio.

"O que é que vai ser de mim?", perguntou a si próprio, olhando para o espelho.

"O que é que eu vou parecer aos meus filho?", perguntou a si próprio. "O que é que há que eu não vejo neste momento em mim mesmo?"

"Não me vejo a mim mesmo. Não me conheço a mim mesmo. Não consigo olhar verdadeiramente para mim mesmo":

Afastou o olhar do espelho e disse a si próprio, pensando na imagem dos Baumanns dada pela mãe: "Ninguém existe verdadeiramente no mundo real porque ninguém sabe tudo aquilo que é para os outros seres humanos, tudo aquilo que dizem nas suas costas e toda a loucura que o futuro lhe irá trazer."


SCHWARTZ, Delmore, Nos sonhos começam as responsabilidades, Lisboa, Guerra e Paz, 2020, p. 68

quarta-feira, 27 de abril de 2022

Hálito

E vertical o hálito

é saudade

 

o frio que amanhece

sobre os vidros

 

Debaixo dos lençóis

vou-me vestindo

com as tuas mãos

num vagar antigo 

 

 HORTA, Maria Teresa, As palavras do corpo, Lisboa, 2.ª edição, Publicações D. Quixote, 2014, p. 24.

S. João Baptista e S. João Evangelista


Núcleo museológico da Igreja de São Francisco


João Batista nasceu em Ein Kerem, na Judéia, ano 2 a.C. Segundo o Evangelho de São Lucas, João era filho do sacerdote Zacarias e de Isabel, descendente de Aarão, prima de Maria, que viria a ser a mãe de Jesus. “Não tinham filhos, porque Isabel era estéril, e os dois já eram de idade avançada” (Lucas 1, 7)

Segundo Lucas, o nascimento de João foi anunciado pelo anjo Gabriel, enviado por Deus. "Certa ocasião, Zacarias fazia o serviço religioso no Templo". "Então apareceu um anjo do Senhor". "O anjo disse: Não tenha medo, Deus ouviu seu pedido, e sua esposa vai ter um filho e você lhe dará o nome de João". (Lucas 1, 8-11-13).

Isabel deu à luz a um filho, e como era prática entre os judeus, no oitavo dia João passou pela cerimônia da circuncisão. A sua educação foi influenciada pelas ações religiosas do templo, onde o seu pai era sacerdote e a sua mãe pertencia a uma sociedade chamada “Filhas de Aarão”. “O menino ia crescendo, e ficando forte de espírito”. Se tornou um líder popular que reunia em torno de si um grande número de pessoas.


Núcleo museológico da Igreja de São Francisco



São João Evangelista (6-103) foi um dos doze apóstolos de Cristo. O mais jovem deles. Junto com seu irmão Thiago, foi convidado a seguir Jesus em suas peregrinações. É o autor do quarto e último Evangelho Canônico, pertencente ao Novo Testamento, o "Evangelho segundo João". Escreveu a primeira, a segunda e a terceira Epístola de João. Foi o "discípulo amado" de Jesus. Foi o único apóstolo que acompanhou Cristo até a sua morte. O Evangelho de João menciona que antes de Jesus morrer, confiou Maria aos seus cuidados.

São João Evangelista (6-103) nasceu em Batsaida na Galileia. Filho do pescador Zebedeu e de Maria Salomé, uma das mulheres que auxiliaram os discípulos de Jesus. João e seu irmão mais velho Tiago, foram convidados a seguir Jesus, logo depois dos apóstolos Pedro e André.

FONTE: https://www.ebiografia.com/

O sol O muro O mar

Praia da Rocha 

O olhar procura reunir um mundo que foi destroçado pelas fúrias.

Pequenas cidades: muros caiados e recaiados para manter intacto o alvoroço do início.

Ruas metade ao sol metade à sombra.

Janelas com as portadas azuis fechadas: violento azul sem nenhum rosto.

Lugares despovoados, labirinto deserto: ausência intensa como o arfar de um toiro.

Exterior exposto ao sol, senhor dos muros dos pátios dos terraços.

Obscuros interiores rente à claridade, secretos e atentos: silêncio vigiando o clamor no sol sobre as pedras da calçada.

Diz-se que para que um segredo não nos devore é preciso dizê-lo em voz alta no sol de um terraço ou de um pátio.

Essa é a missão do poeta: trazer para a luz e para o exterior o medo.

Muros sem nenhum rosto morados por densas ausências.

Não o homem mas os sinais do homem, a sua arte, os seus hábitos, o seu violento azul, o espesso amarelo, a veemência da cal.

(…) 


ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner, Ilhas, Assírio & Alvim, 6.ª edição, 2016, p 66

Não sei o que hei-de fazer com as nuvens

 

Praia de Alvor

Não sei o que hei-de fazer com as nuvens.

O que me dizem são passagens rápidas

sobre as cidades, e às vezes deixam chuva

outras, sombras na paisagem.


JORGE, Lídia, Correio da tardeO Livro das tréguas, Lisboa, D. Quixote, 2019, p. 18.

segunda-feira, 25 de abril de 2022

25 de Abril em caixas




 Lagos

A liberdade

 (…) a Liberdade é uma jovem grávida que caminha às costas de uma velha cínica, e custa a dar à luz. Refiro–me às dores da libertação, que nunca são amenas. 

JORGE, Lídia, Em todos os sentidos, Alfragide, 2.ª edição, Publicações D. Quixote, 2020, P 85.

Série "Gatinha assanhada"












 Ai que estou com o cio...

domingo, 24 de abril de 2022

25 de Abril segundo Sophia

 Esta é a madrugada que eu esperava

O dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo.

 

BREYNER, Sophia de Mello, O nome das coisas, 1977


Is SHE in love?


 Sociedade Harmonia Eborense

A luz enaltece a beleza


 Templo Romano de Évora 

Por ti

Por ti eu me perdi eu me encontrei

por ti que eras ausente e tão presente

por ti cheguei ao longe aqui tão perto.

E achei achando-te o País de Abril.


  ALEGRE, Manuel, Praça da Canção, Lisboa, 5.ª edição, D, Quixote, 2015, p. 89.

sábado, 23 de abril de 2022

Praça em festa


 PRAÇA DO GERALDO, ÉVORA

O livro como uma arma

Para enfrentar o mundo grosseiro que a rodeava não tinha, com efeito, senão uma arma: os livros que ia buscar à biblioteca municipal e que eram sobretudo romances; lia-os aos montes, de Fielding a Thomas Mann. Davam-lhe uma oportunidade de evasão imaginária, arrancando-a a uma vida que não lhe oferecia satisfação de espécie nenhuma, mas enquanto simples objectos, também tinham um sentido. Gostava de andar na rua com livros debaixo do braço. Eram para ela o que a bengala era para os dandies do século passado. Distinguiam-na dos outros.

KUNDERA, Milan, A Insustentável leveza do ser, Alfragide, D. Quixote, 32.ª edição, 2015, p.64.

 

Praia deserta


 COMPORTA

Rio

Sertã 

Rio, múltipla forma fugidia

De gestos infinitos e perdidos

E no seu próprio ritmo diluídos

Contínua aparição brilhante e fria.

 

Nos teus límpidos olhos de vidente

As paisagens reflectem-se mais fundas

Imóveis entre os gestos da corrente,

 

E o país em redor verde e silvestre

Alargou-se e abriu-se modulado

No silêncio brilhante que lhe deste.


ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner, Obra do mar, Caminho, 5.ª edição, 2005, p. 92

 

 

quinta-feira, 21 de abril de 2022

Em silêncio o rochedo/ vê chegar e partir/ as estações

 

MENDONÇA, José Tolentino, Papoila e o monge, Assírio e Alvim, 2019, p. 29.

Azul

Praia de Alvor 

 Azul. Era azul? Era a cor

que era, não a que pretendo

- ou seja, a que relembro.

O mar. Água, em todo o caso.

Vento por cima; ou era a voz

de alguém fazendo o ar bulir?

É na pele o que sinto

ou nos ouvidos soa? A sós

a praia. A sós, que não estou lá.


TAMEN, Pedro, Caronte y memoria, sl. J. Huerga Murcia Editores, p. 124.

quarta-feira, 20 de abril de 2022

Amor sem razão

Meu amor quem disse

ao pé de ti o medo

 

Ou pôs a ausência

daquilo que faço

se longe de ti impeço o começo

ou junto de ti me ergo e renasço

 

Já nada é razão

quando este é segredo

ou quando a razão é corpo

e desfaz-se

 

Razão do teu sono

por entre os meus dedos

 

Razão do teu hálito 

por entre os meus braços

 P


HORTA, Maria Teresa, As palavras do corpo, Lisboa, 2.ª edição, Publicações D. Quixote, 2014, p. 27.

Cinema Plazza


 Quando vais ver um filme português nunca tens muita clientela

Igreja da Misericórdia













 LEIRIA

Ourique


Ribeira




 Évora

Amor em Portel?


 

terça-feira, 19 de abril de 2022

Arraiolos







 

Gugunhama

Jardim 1.º de Dezembro, Portimão

Mouzinho procurou humilhar o poderoso régulo e forçou-o a sentar-se no chão, o que ele nunca fazia e "produziu entre os vátuas presentes um grande alarido, batendo com as azagaias nas rodelas, em sinal de aplauso e espanto.

NUNES, António Pires, Mouzinho de Albuquerque, Lisboa, Prefácio, 2003, p. 41.

Páscoa em Portimão