segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Como é mágico andar sobre as nuvenss









 

Natal no aeroporto



 Aeroporto Humberto Delgado, Lisboa 

Fazer amor

O homem faz amor

Para se sentir bem.


A mulher faz amor

Quando se sente bem.


 COUTO, Mia, Tradutor de chuvas, 3.a edição, Alfragide, Editoral Caminho, p. 21.

Que importa

 Que importa o silêncio se a gente se

Vê e pode falar só com o olhar que mais

Ninguém vê


Que importa o fogo se o sol que 

Arde verte a chama que clama o final da

Tarde


Que importa a água se o sal que

Emana em ponto-cruz espelha a luz que

Engana


Que importa o céu e o mar se tudo é

Mistério no teu olhar


 SOUTO, António, A Seiva dos dias e outros poemas, s.l., Europeus, 2021, p. 51.

domingo, 30 de novembro de 2025

O medo da solidão

Eu não tenho medo de morrer,

Por falta de água e de pão.

Não, não é disso que eu tenho medo.

Mas sim, de ficar só,

Sem ouvir uma voz,

Cercado de solidão.



RODRIGUES, João de Deus, Como era linda a primavera!, Lisboa,  Edições Colibri, 2021, p. 29.

Breve reflexão filosófica

Queria encontrar uma palavra, entre a saudade 

E o absoluto, que me permitisse pensar sobre a vida,

Isto é, sobre alguma coisa. Pôr-me-ia no lugar do filósofo

e começaria por dizer que, se a vida

é alguma coisa, será no absoluto desse algo que 

algo surgirá para iluminar o pensamento. Porém, 

as distrações da vida começam a impor-se

entre mim e esse pensamento que procuro. Canso-me

de não saber mais do que aquilo que faz parte

Deste mundo que me rodeia: o mundo

Por onde passa um rio que não vejo e as únicas árvores 

São essas que ainda crescem ao longo das avenidas,

Sob o fumo do passado que esconde a névoa

do futuro. Podia pegar num caderno de apontamentos 

E percorrer as folhas em branco: aí, nesse vazio de palavras,

A palavra essencial é o nada que as preenche

Da primeira à última. Então, começo a escrever

Como se isso me ajudasse a encontrar um sentido; e,

Acabo com a saudade do caderno vazio

Perante o absoluto das palavras que o enchem.



Júdice,  Nuno in A mais frágil das moradas - poemas à memória de Eduardo Lourenço, Lisboa, Guerra e Paz Editores, 2023, p. 101.

Amanhã


Amanhã dizes amanhã 

Vai tudo ser diferente 


VIEIRA, Alice, Os armários da noite, Alfragide, Editoral Caminho, 2014, p.  18.

sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Low cost




 Viajar na Ryanair

Gaivota foge, mas pouco 😆


 Praia da Rocha - Portimão- Algarve 

 Sinto falta de ti

Mas parece que tudo à minha volta nos afasta

Não são só as nossas vidas 

Como os meus pensamentos

Eu, que tenho andado neste corropio de funerais

E de emoções tristes

Não tenho vontade para nada

Porém, pertences aos meus pensamentos!

Converso com a tua foto

Já que não te tenho por perto...

Queria ver-te para ter um carinho

Tão bom como é o teu

Mas como sei que queres sempre mais 

Tenho de esperar que toda esta fase me passe

Para ansiosamente matar saudades 

Por ver que o universo não me deixa te ver

Nem de fugida...


Xpto


Tradutor de chuvas

Um lenço branco

Apaga o céu.


A fala da asa

vai traduzindo chuvas:

não há adeus

no idioma das aves.


O mundo voa

E apenas o poeta

faz companhia ao chão.


COUTO, Mia, Tradutor de chuvas, 3.a edição, Alfragide, Editoral Caminho, p. 24.

quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Viajando numa noite fria


 Évora 

Mini boneco de neve


 Luxemburgo 

Viagem da saudade


 

Andando nas nuvens


 Algures entre o Luxemburgo e Portugal

Não me tapes o caminho


Afasta-te, mostrengo, afasta-te.


Não me tapes o caminho em frente, mesmo que não vá dar ao futuro. Contigo aos gritos mais o ódio escondido atrás de ti...

TORDO, Fernando, Não me tapes o caminho em frente, mesmo que não vá dar ao futuro, Lisboa, Editora Guerra e Paz, 2021, p. 17.

Palavras adiáveis

Há muitas palavras 


Palavras como silêncios e

Silêncios como palavras

quando não são urgentes as palavras 

nunca tardam e chegam sempre a tempo

a tempo de se mostrarem boas ou más 

de ferirem ou aveludarem a pele dos sentidos

à vez


Com elas encerramos o dia e

disfarçamos todos os estorvos

com elas nos deitamos e sufocamos os

sonhos que desaproveitámos

com elas alindamos a terra e cavamos a sepultura 

com elas fazemos a paz

fazemos a guerra 


há muitas palavras

adiáveis todas



SOUTO, António, A Seiva dos dias e outros poemas, s.l., Europeus, 2021, p. 95.

terça-feira, 25 de novembro de 2025

À espera que o avião aterre


 

Repete

Repete comigo:

Não deves

A ninguém 

O teu

Perdão.


- excepto talvez a ti mesma.


 LOVELACE, Amanda, Aqui a princesa salva-se sozinha, Alfragide, Oficina do Livro, 2019, p. 193.

segunda-feira, 24 de novembro de 2025

O tempo é uma questão de poesia


Muitas vezes pensamos no que temos

Pela frente quando a noite se aproxima. Há

Uma súbita consciência de que o céu 

Ficará vazio, e só um ruído de insectos

Perturbará o silêncio do mundo. No entanto,

Abro a rede que usei quando as palavras

Passavam à minha frente: e elas saem

De dentro dela e enchem a página, numa ordem

que segue o ritmo desse canto que ouvi

Quando andei pelo campo da estrofe. É

como se um novo sentido surgisse desse

ritmo e fizesse cantar o silêncio. 

Júdice, Nuno in A mais frágil das moradas - poemas à memória de Eduardo Lourenço, Lisboa, Guerra e Paz Editores, 2023, p. 102.

domingo, 23 de novembro de 2025

Estou cheio de tédio

Estou cheio de tédio, de nada. Em cima da cama

Leio, com uma minuciosidade atómica,

Lentamente, com uma atenção sem chama,

A Nova Enciclopédia Maçónica.

PESSOA, Fernando, Poemas esotéricos, Porto, Assírio e Alvim, 2020, p. 15.

Relaxar



Praia da Rocha

 

Universidade de Évora e as suas obras de arte








Exposição temporária na Fundação Eugénio de Almeida, Évora 

Se ao menos sobrassem os sonhos

 SOUTO, António, Sonhos sobrantes, A Seiva dos dias e outros poemas, s.l., Europeus, 2021, p. 80.

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

No dia em que eu cresci

No dia em que eu cresci

Suspendi as férias e entrei pelas orlas do Outono enleado

Nos olhos dos pássaros que desistiram dos ninhos

(...)


 SOUTO, António, A Seiva dos dias e outros poemas, s.l., Europeus, 2021, p. 69.

domingo, 16 de novembro de 2025

Só muito tarde percebi

Só muito tarde percebi que

O nosso amor era apenas um

Inquilino temporário da nossa pele

Roubado sabe-se lá a quem

Até ao dia em que disseste tenho pressa 


E aquela espessura transparente que

Só na cama as almas ganham 

Desapareceu  como se descesse 

Sem ruído as escadas das nossas noites

E do que restava dos nossos corpos

- peças roídas de engrenagens vazias

Que te habitavam até saíres de mim

Como de um lugar incómodo.


VIEIRA, Alice, Olha-me como quem chove, Lisboa, Publicações D. Quixote, 2018, p. 22.

Eu não sei se é amor

Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,

Se alguma dor me fere, em busca de um abrigo,

E apesar disso, crês? Nunca pensei num lar

Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.


(...)


Se é amar-te não sei. Não sei se te idealizo

A tua cor sadia, o teu sorriso terno...

Mas sinto-me sorrir de ver esse sorriso

Que me penetra bem, como este sol de inverno. 


(...)


Eu não sei se é amor. Será talvez comeco.

Eu não sei que mudança a minha alma pressente...

Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço,

Que adoecia talvez de te saber doente.


PESSANHA, Camilo, Clepsidra, Lisboa,   Guerra e Paz, 2021, p. 55.

Clandestino

Na penumbra da tarde,

O mundo morto,

A meu passo, despertava.


Não era o amor

que eu procurava.

Buscava o amar.


Na casa em ruínas,

Te despidas

Para que me deixasse cegar.


Voz transpirada,

suplicavas que te chamasse no escuro.


Em ti, poré,

eu amava

Quem não tem nome.


Na casa casa arruinada

te amei e te perdi

como a ave que voa

Apenas para voltar a ter corpo.


Na penumbra da tarde,

tu me ensinaste a nascer.


Na noturna claridade

me esqueci

que nunca havias nascido.


COUTO, Mia, Tradutor de chuvas, 3.a edição, Alfragide, Editoral Caminho, pp. 14-15.

sábado, 15 de novembro de 2025

Sono

O início do olhar, a dimensão das coisas 

E a sombra à volta, o próprio corpo,

As casas, a largura do céu, ao longe um rio.

Encontramos depois aquilo que existe

dentro de nós mesmos, para principiarmos

a descansar. Adormecemos. A noite

vem ao nosso encontro e com ela chegam

outras imagens. São mais leves, trazem-nos

de um rio a água, do céu a transparência, 

das casas o que era o seu acolhimento, 

do corpo a inquietude. De tudo isto fica

também o esquecimento, uma outra imagem 

que é a do nada. Julgamos ter sonhado, 

mas foram os ramos da noite que tocaram

O nosso rosto. Feriram-no. Acordamos assim




GUIMARÃES, Fernando, Junto à pedra, Santa Maria da Feira, Edições Afrontamento, 2018, p. 73.

terça-feira, 11 de novembro de 2025

Surrealismo


 FUNDAÇÃO EUGÉNIO DE ALMEIDA

ÉVORA 

Origem da poesia épica

Grande é a vida, quando a morte passa.


Há um consolo puro de estar vivo,

Um repudiar tão doce por a ver passar,

Que encobre um pouco outra grandeza,

maior, é certo, mas tão dura, tão amarga,

de estar  vivendo junto dela, dentro dela, em face dela,

passando nós na estrada em que só ela fica,

senhora da grandeza  que não temos

senão... eis senão quando... era uma vez... contai...


SENA, Jorge de, Post-Scriptum, Porto, Assírio e Alvim, 2023, p. 33.

segunda-feira, 10 de novembro de 2025