Tudo fica parado, por instantes. Raio de mistério: regulando a vida ao
sabor das estações do ano, repartindo as dores e as alegrias com uma pachorra
de animal doméstico, sem perturbações, gulosamente à espreita do pão que nasce,
das espigas que já se levantam, o alentejano namora o futuro sem outras
ambições maiores. Não se assoberba com os bens materiais. Dêem-lhe paz! Paz e
silêncio na terra inteira onde teve de aprender o ofício de viver. Mas, ai,
quando rebenta à sua volta uma maré de conflitos ou o ferem na sua paciência,
então descobre-se, adianta-se, mergulha voluntariamente no seu destino, dominado
pelo clima destemperado, pelo suão, que é um vento que o molha de desgraça e de
pavor, arrastando a sua sina de tédio, com pensamentos fixos. E tanto é capaz
de pôr um baraço ao pescoço como justificação das dívidas que não pode cumprir,
como empunhar uma espingarda, uma navalha ou um varapau e fazer frente ao resto
dos homens, defender a sua honra de um abusador que lhe fugiu com a filha, o
intrujou com um negócio ou lhe deu um conselho falso.
SILVA, Antunes
da, Suão, Livros Horizonte, Lisboa, 7.ª Edição, 1985, p. 56.
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