quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Babel

E todos tinham uma língua igual

ciosamente amada por noites de luar,

por dias claros 


Com ela nomeavam os sentidos

das coisas sem sentido antes de ser,

por ela se espalhavam na memória,

pois a memória era também de todos

e a todos preenchia o pensamento.


E se o céu era alto e eles fortes

no poder todo que a palavra dá.

e se o céu oferecia habitação

Às aves e às nuvens e ao sol,

porque não conquistá-lo em desafio 

profano?


Diz-se que a punição surgiu precisa

em exacta medida para o crime,

que a confusão cresceu junto às palavras,

ensombrado o silêncio outrora amado,

descompassado nos dias

e as coisas


Diz-se que a punição se cumpriu justa

no divino saber



Mas foi decerto

gesto de ciúme e

talvez quem sabe afirmação de quem 

já não tem demais céus


a conquistar 


AMARAL, Ana Luísa, Ágora, Porto Assírio e Alvim, 2019, p.p. 101-102.

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