Durante toda a minha vida, sempre tive a impressão de
que podia ser outra pessoa. Em mudando de poiso e esforçando-me por começar
vida nova, iria transformar-me numa pessoa nova, julgava eu. Repeti por mais de
uma vez esse processo. Como se, ao converter-me numa pessoa diferente, pudesse
amadurecer e, num certo sentido, reinventar-me. Acreditava piamente ser capaz
de me libertar dos elementos que até então me identificavam. Lutei nesse
sentido, empenhando-me muito a sério, e acreditava que seria possível. Porém,
no fim, dei por mim num beco sem saída. Por mais longe que fosse,continuava a
ser eu, com os meus defeitos. O cenário bem podia mudar,o eco das vozes podia
ser diferente, mas eu continuava a ser o mesmo ser incompleto de sempre. As mesmas
lacunas continuavam-me a torturar-me, produzindo em mim uma fome e uma sede
violentas. Acredito que esssa fome e essa ssede continuarão a perseguir-me
eternamente. Num certo sentido, essas carências, em si mesmas, fazem parte de
mim. Agora, por tua causa, quero tornar-me uma pessoa nova. Pode ser que
consiga os meus intentos. Ainda que não se adivinhe fácil, esforçando-me,
talzvez seja capaz de me transformar e passar a ser um novo eu.
MURAKAMI, Haruki,
A sul da fronteira, a oeste do sol, Alfragide, 5ª edição, Casa das Letras, 2014, p. 235.
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