sábado, 6 de agosto de 2022

Imagem e semelhança

Quando a noite vier, e a relva se parecer

com o mar, e as ondas se parecerem

com os arbustos do jardim, e o teu

rosto se parecer com o que foi suposto

e o meu rosto se parecer com o que

deveria ser, e os livros contarem

o que deveria ser vivido, e a vida

se aproximar do sonho que foi

sonhado, e esse sonho se parecer com o 

que irá acontecer na manhã seguinte

e o ouvinte julgar que escutou

o que está prometido desde aquele

tempo e desde aquela parte, e a criança

se parecer com o homem que há-de haver

e a mulher com a criança feita que lhe

prometeram ter, as pálpebras descidas

parecer-se-ão com o sol entrando no horizonte

e tudo terá a mesma origem, tudo se reunirá

na mesma fonte, e os sete mil milhões conhecerão

a imagem de quem sem saber são pajem.


JORGE, Lídia, O Livro das tréguas, Lisboa, D. Quixote,2019, p. 28.

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