quarta-feira, 22 de março de 2023

Espelho de duas faces

Ajuda-me a esquecer as tuas faltas

e a ignorar os teus crimes

para melhor te amar.

Dá-me a febre em que te exaltas

e o que nos olhos exprimes

quando não sabes falar.


Espelho de duas faces, plana e curva:

és, e não és.

Imagem dupla, ora límpida, ora turva,

numa te afirmas, noutra te negas, em ambas te crês.


Queria sentir-te em outros sentidos.

Queria ver-te sem olhos e ouvir-te sem ouvidos.

E queria as tuas mãos numa aleluia fraterna.

Essas mãos que ainda ontem, de manhã, aturdidas,

com duas varas secas e folhas resequidas

arrepiaram de luz    

as sombras da caverna.


GEDEÃO, António, Poemas, Lisboa,  Palavrão Associação Cultural, 2015, p. 32.

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