segunda-feira, 26 de agosto de 2019

O meu país é o que o mar não quer

Horta, Faial
No meu país não acontece nada
o corpo curva ao peso  de uma alma que não sente
Todos temos janela para o mar voltada
o fisco vela e a palavra era para toda a gente (...)

O português paga calado cada prestação
Para banhos de sol nem casa se precisa
E cai-nos sobre os ombros quer a arma quer a sisa
e o colégio do ódio é a patriótica organização.

Morre-se a ocidente como o sol à tarde
Cai a sirene sob o sol a pino
Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde
Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?(...)

O meu país é o que o mar não quer
é o pescador cuspido à praia à luz do dia
pois a areia cresceu e o povo em vão requer
curvado o que de fronte erguida já lhe pertencia

A minha terra é uma grande estrada
que põe a pedra entre o homem e a mulher
O homem vende a vida e carga sob a enxada
O meu país é o que o mar não quer.

BELO, Ruy, Na Margem da alegria - poemas escolhidos por Manuel Gusmão,  Assírio e Alvim, 2011, pp. 104-105.

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