segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Eça de Queiroz em Évora

 

 

E alinha-se Évora na brancura que exige o cauto resguardo, porque equivale à palidez insuportável dos espectáculos do luto, e não tinge a cal os lábios do moribundo mais do que a espuma que resulta da exaustão do ser. E arredondam-se os arcos sobre as ruelas que arvoram nomes canónicos, aos quais não falta o espírito de insurreição dos goliardos, e arrastam-se as mulheres de negro, as que custosamente movimentam a ossuda estrutura, gasta pelo peso da existência atribulada. E demoram-se nas praças os machos humanos e os machos animais, vestidos de uma albarda e de uma samarra, e reside no olhar distanciado dos primeiros a saudade de uma azinhaga à beira de um regatinho, pois que aí em meninos afeiçoavam eles a canivete maravilhas de cortiça, e atentavam no planado voo da cegonha, e suspiravam pela chegada do farnel. E constitui o “Distrito de Évora”, jornal que o nosso autor dirige antes de optar pela diplomacia, uma folha indignada e reinvidicativa, escarnecendo quem lhe apetece e voltando as costas a quem lhe apraz. 

CLÁUDIO, Mário, As Batalhas do Caia, 2.ª edição, Publicações D. Quixote, Alfragide, 2019, pp. 131-132.

 

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