quarta-feira, 30 de março de 2022

Trova do amor Lusíada

Meu amor é marinheiro

quando suas mãos me despem

é como se o vento abrisse

as janelas do meu corpo.


Quando seus dedos me tocam

e como se no meu sangue

nadassem todos os peixes

que andam no mar salgado.


Meu amor é marinheiro.

Quando chega à minha beira

acende um cravo na boca

e canta desta maneira:


- Eu sou livre como as aves

e passo a vida a cantar

coração que nasceu livre

não se pode acorrentar.


Trago um navio nas veias

eu nasci pra marinheiro

quem quiser pôr-me cadeias

há-de matar-me primeio.


Meu amor é marinheiro

e mora no alto-mar

seus braços são como o vento

ninguém os pode amarrar.


Quando chega à minha beira

todo o meu sangue é um rio

onde o meu amor aporta

seu coração - um navio.


Meu amor disse que eu tinha

uns olhos como gaivotas

e uma boca onde começa

o mar de todas as rotas.


Meu amor falou-me assim:

- Ó minha pátria morena

meu país de sal e trevo

meu cravo minha açucena


vale mais ser livre um dia

lá nas ondas do mar bravo

do que viver toda a vida

pobre triste preso escravo.


Eu vivo lá longe

onde passam os navios

mas um dia hei-de voltar

às águas dos nossos rios.


Hei-de passar nas cidades

como o vento nas rias

e abrir todas as janelas

e abrir todas as cadeias


hei-de passar a cantar

pelas ruas da cidade

erguendo na mão direita

a espada da liberdade.


Ó minha pátria morena

meu país de trevo e sal

sou marinheiro e não esqueço

que nasci em Portugal.


Assim falou meu amor

assim falou ele um dia

desde então eu vivo à espera

que volte como dizia.


Eu creio no meu amor

meu amor é marinheiro

quem quiser pôr-lhe cadeias

há-de matá-lo primeiro.


Sei que um dia ele virá

assim muito de repente

como se o mar e o vento

nascessem dentro da gente


como se um navio entrasse

de repente na cidade

trazendo a voar nos mastros

bandeiras de liberdade.


Meu amor é marinheiro

e mora no alto-mar

coração que nasceu livre

não se pode acorrentar.


ALEGRE, Manuel, Praça da Canção, Lisboa, 5.ª edição, D, Quixote, 2015, pp. 97-100.

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