sábado, 14 de maio de 2022

Um lugar



era um lugar no telhado da cidade

com 

senhoras de olhos calmos

e moscas gordas.

um sino abençoou o silêncio,

uma nuvem roçou a igreja

cumprimentando árvores

velhos e 

pássaros,

era um lugar onde as sombras

se afogavam - náufragas

e regressavam ao mundo em silêncio - sobreviventes,

dali

as pessoas emprestavam os pés às pombas

e e elas roçavam os telhados

para cumprimentar as casas.

certa manhã

ali sentado

ouvi o sino falar.

não decifrei o murmúrio

[não tenho o dom da quietude]

mas embebi-me do essencial:

aquele era também um deslugar

- chão apropriado para repousar os dedos

e esperar uma formiga passar;

esperar a mordidela também

sabendo-me vivo

em corpo de sangue.


ONDJAKI, Materiais para confecção de um espanador de tristezas, Editorial Caminho, 2009, pp. 20-21.

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