sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Tentativa de compreensão dos homens na literatura

Os homens que têm a mania das mulheres dividem-se facilmente em duas categorias. Uns procuram em todas as mulheres a ideia de que eles próprios têm da mulher tal como ela lhes aparece em sonhos, o que é algo de subjectivo e sempre igual. Aos outros, move-os o desejo de se apoderarem da infinita diversidade do mundo feminino objectivo.

A obsessão dos primeiros é uma obsessão lírica; o que procuram nas mulheres não é senão eles próprios, não é senão o seu próprio ideal, mas, ao fim e ao cabo, apanham sempre uma grande desilusão, porque. como sabemos, o ideal é precisamente o que nunca se encontra. Como a desilusão que os fez andar de mulher em mulher dá, ao mesmo tempo, uma espécie de desculpa melodramática à sua inconstância, não poucos corações sensíveis acham comovente a sua perseverante poligamia.

A outra obsessão é uma obsessão épica e as mulheres não vêem nela nada de comovente: como o homem não projecta nas mulheres um ideal subjectivo, tudo tem interesse e nada pode desiludi-lo. E esta impossibilidade de desilusão encerra em si algo de escandalosos. Aos olhos do mundo, a obsessão do femeeiro épico não tem remissão (porque não é resgatada pela desilusão)

Como o femeeiro lírico gosta sempre do mesmo tipo de mulheres, quase nem se repara quando tem uma amante nova; os amigos causam-lhe sérios embaraços porque nunca vêem que a sua companheira já não é a mesma e tratam as suas amantes sempre pelo mesmo nome.

Na sua caça ao conhecimento, os femeeiros épicos (e é evidentemente a esta categoria que Tomas pertence) afastam-se cada vez mais da beleza feminina convencional (de que depressa se cansam) e acabam infalivelmente como colecionadores de curiosidades. Têm consciência de tal coisa, envergonham-se um pouco dela e, para não incomodar os amigos, nunca aparecem em público com as amantes.


KUNDERA, Milan, A Insustentável leveza do ser, Alfragide, D. Quixote, 32.ª edição, 2015, p.252

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