Do mar da tua língua colho o sal
E deixo na acalmia e no teu corpo um sopro inerte
A volúpia veloz e musical de um voo raso
aqui da alma nada sei, das serenas águas
da forma como as mãos moldam o tempo
do obscuro comércio da felicidade e do segredo
Na tua língua agora sou o mar
E fora o vento volve o sol em nuvem
a folha em vento, o bosque em mar tranquilo
aqui nada sei desta paixão, do amor furtivo
da ave que de súbito cruza o corpo, o espaço límpido
a penumbra azul e pele em redor do olhar verde
do mar da tua língua colho o sal
músculo a músculo devagar abandono o fogo
e resto em cinza, em pó, em luz quieta
do brilho do teu rosto nada sei
do enigma que é o universo e o teu sorriso branco
penso no fim em nós, na serena morte vã
no que o tempo fará da luz diurna
do mar da tua língua colho o sal.
RIBEIRO, Rui Casal, Escrever a água, Lisboa, Edições Colibri, 2018, p. 50.
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