quinta-feira, 10 de abril de 2025

Ave de amor diurno

Do mar da tua língua colho o sal

E deixo na acalmia e no teu corpo um sopro inerte

A volúpia veloz e musical de um voo raso


aqui da alma nada sei, das serenas águas 

da forma como as mãos moldam o tempo

do obscuro comércio da felicidade e do segredo 


Na tua língua agora sou o mar

E fora o vento volve o sol em nuvem

a folha em vento, o bosque em mar tranquilo 


aqui nada sei desta paixão, do amor furtivo

da ave que de súbito cruza o corpo, o espaço límpido 

a penumbra azul e pele em redor do olhar verde 


do mar da tua língua colho o sal

músculo a músculo devagar abandono o fogo

e resto em cinza, em pó, em luz quieta


do brilho do teu rosto nada sei

do enigma que é o universo e o teu sorriso branco


penso no fim em nós, na serena morte vã

no que o tempo fará da luz diurna 


do mar  da tua língua colho o sal.

RIBEIRO, Rui Casal, Escrever a água, Lisboa, Edições Colibri, 2018, p. 50.

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