sábado, 31 de maio de 2025

As árvores


ÉVORA

... Abriram na terra esse lugar 

Para que a sombra chegasse depois. E deram-nos

O que nas árvores se fecha em si mesmo, o seu cerne. Ali

encontraremos o que era a dureza vegetal, uma outra 

inclinação, a que vem ter connosco. Assim passaram

os anos. Dentro das árvores também envelhecemos


GUIMARÃES, Fernando, Junto à pedra, Santa Maria da Feira, Edições Afrontamento, 2018, p. 52. 

sexta-feira, 30 de maio de 2025

O sangue, a luz: um coração

Repetidamente escrevo a letras de água a

Imprecisa memória de estar e de ter estado 


Digo palavras, digo lugares de domínio e servidão:

estreitíssimo fio de frágeis elos cuja sombra indistinta 

me une - e me separa- à indelével página do mundo


sou o que fica escrito no caminho

as palavras que deixo espalhadas pelo tempo

abandonadas ao pó  do que de mim resta 

subtil ruína envolta em névoa


O teu nome

um caudaloso rio fluindo eternamente por entre os dias

até mim


Envolto na teia de húmidos brilhos que é o teu amor

escrevo e reescrevo a esbatidas sílabas o que foi já:

meras gotículas de que é feita a noite adormecida

cinza e lumes de palavras perdidas ardendo para sempre

o teu corpo

Ainda um barco no mar de prata que é o

Sol reflectido nas águas:

Penumbra e luz

(...)

Que líquida geografia é o teu amor


podias ser se quisesses o meu nome ainda

o espaço em que lento me movo lento e repartido 

entre pedaços de lume transparente 


mas sejas no fim o que nós formos, ruína ou água 

partilharemos sempre palavras de fogo nas mãos a arder

dentro do frio diamante acesso que é o coração a sangrar luz.


RIBEIRO, Rui Casal, Escrever a água, Lisboa, Edições Colibri, 2018, pp. 61-62.

quarta-feira, 28 de maio de 2025

Uma porta, um rosto




Ilhas, Arraiolos 


Há uma porta que se abre a meio do poema

Para sair e amar e não a sei


Por isso morre o poema chegado o fim do verso

em que o teu rosto se fechou a meio do poema 


que chave para essa porta abrindo a manhã do mundo?


abre-se no verso uma janela e o poema respira

Abre-se no amor uma porta e o poema expande-se


soubesse eu a sílaba que abre o teu rosto à luz

e o labiríntico poema teria um fim


mas no perdido verso fecha-se o teu nome

e comigo dentro o poema morre.

RIBEIRO, Rui Casal, Escrever a água, Lisboa, Edições Colibri, 2018, p. 73.


domingo, 25 de maio de 2025

Desculpas

As desculpas são

Um penso rápido.


A ferida continua lá, 

por baixo.


ainda dói, 

mas parece mais limpa

Por fora.


REINHART, Lili, A arte de mergulhar, Alfragide, Edições Asa, p. 71.

quinta-feira, 22 de maio de 2025

Pormenores no crepúsculo



 Évora 

Há azul nas Ilhas











 Arraiolos

Gatos algarvios








 Portimão  - Alvor - Lagoa

Figuras típicas de Alvor






 

Pinturas "rupestres"


 Praia dos Careanos, Portimão 

Hortenses


 Évora 

Na praça ao final do dia


 Praça do Geraldo, Évora 

quarta-feira, 21 de maio de 2025

De manhã se começa a pavonear


 Évora 

Acerca do ser

Um fruto cresce, mas ele também procura

A ausência, o sumo ao ficar derramado,

o odor que se perdeu desde o início. Abre-se

para o vazio e recebe as sementes,  o que não existe

ainda. À volta os gomos ou a polpa. Devagar 

chega a seiva e encontra-o. Depois há quem venha

colhê-lo. Amadureceu. É redondo. Na árvore 

oscila, acaba por cair. Dentro de si mesmo.

GUIMARÃES, Fernando, Junto à pedra, Santa Maria da Feira, Edições Afrontamento, 2018, p. 72.

sexta-feira, 16 de maio de 2025

Lojas na cidade





 Setúbal 

Quando desaparece o areal







Entre a praia do Amado e do Vau

Portimão 


 

Também o amor

Também o amor é feito da matéria efémera do tempo:

Trémula e vaga luz que morre lentamente com o dia

E tudo era silêncio 

e nada 


RIBEIRO, Rui Casal, Escrever a água, Lisboa, Edições Colibri, 2018, p. 75.

quinta-feira, 15 de maio de 2025

As duas árvores

Onde termina uma árvore? Esta pergunta 

Está nos seus ramos. Cada um oscila

E o seu movimento chega ao interior 

Das nossas mãos; elas são a outra árvore 

Que se fecha em si mesma. Qual das duas

Procura o vento ou nos vem afagar? Ambas

Se elevam, crescem e repousam depois 

Na terra. Não são muito diferentes. A seiva 

Onde existe? O sangue Onde se derrama?


GUIMARÃES, Fernando, Junto à pedra, Santa Maria da Feira, Edições Afrontamento, 2018, p. 89.

O sol não bate à porta


 Évora