Repetidamente escrevo a letras de água a
Imprecisa memória de estar e de ter estado
Digo palavras, digo lugares de domínio e servidão:
estreitíssimo fio de frágeis elos cuja sombra indistinta
me une - e me separa- à indelével página do mundo
sou o que fica escrito no caminho
as palavras que deixo espalhadas pelo tempo
abandonadas ao pó do que de mim resta
subtil ruína envolta em névoa
O teu nome
um caudaloso rio fluindo eternamente por entre os dias
até mim
Envolto na teia de húmidos brilhos que é o teu amor
escrevo e reescrevo a esbatidas sílabas o que foi já:
meras gotículas de que é feita a noite adormecida
cinza e lumes de palavras perdidas ardendo para sempre
o teu corpo
Ainda um barco no mar de prata que é o
Sol reflectido nas águas:
Penumbra e luz
(...)
Que líquida geografia é o teu amor
podias ser se quisesses o meu nome ainda
o espaço em que lento me movo lento e repartido
entre pedaços de lume transparente
mas sejas no fim o que nós formos, ruína ou água
partilharemos sempre palavras de fogo nas mãos a arder
dentro do frio diamante acesso que é o coração a sangrar luz.
RIBEIRO, Rui Casal, Escrever a água, Lisboa, Edições Colibri, 2018, pp. 61-62.
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