segunda-feira, 1 de maio de 2023

Poema de homem só

Sós, 

irremediavelmente sós,

como um astro perdido que arrefece.

Todos passam por nós

e ninguém nos conhece.


Os que passam e os que ficam.

Todos se desconhecem.

Os astros não se explicam:

arrefecem.


Nesta envolvente solidão compacta,

quer se grite ou não se grite,

nenhum dar-se dentro se refracta,

nenhum ser nós se transmite.


Quem sente o meu sentimento

sou eu só, e mais ninguém.

quem sofre o meu sofrimento

sou eu só, e mais ninguém

Quem estremece este meu estremecimento

sou eu só, e mais ninguém.


Dão-se os lábios, dão-se os braços,

dão-se os olhos, dão-se os dedos,

bocetas de mil segredos

dão-se em pasmados compassos;

dão-se as noites, dão-se os dias,

dão-se aflitivas esmolas,

abrem-se e dão-se as corolas

breves das carnes macias;


GEDEÃO, António, Poemas - Uma antologia bilingue, Lisboa, Palavrão - Associação Cultural, 2015, p. 60

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