quarta-feira, 2 de julho de 2025

A linguagem universal

Praia da Rocha, Portimão 



O que dizemos é semelhante a uma praia. Unimos

 as palavras, suas leves ondas. Elas vêm ter connosco 

devagar, junto das algas, ainda com alguma areia 

até se tornarem límpidas.  Para quê dizer um pouco mais 

que isto: P(QvR)? Fica assim a linguagem cada vez mais distante ao ser por nós pensada? Talvez

Só para que se encontrem as letras entreabertas,

Altas, esperando o que seria o pólen,  a prometida

 abundância de uma afirmação  capaz de recordar-nos

A do amor. Olhemos à nossa volta: nesta pedra 

Humedecida acaba uma das sílabas, a margem dividida

Do mesmo mar, ele que se torna igual a um conhecimento 

Total, completo, o olhar sapiente, aquela seara

que acompanha  um gesto, espuma também ou as verdades

suficientes. Foi assim no princípio,  quando o sono procura 

os seus passos dentro de nós. Este o rumor 

Da linguagem que se diz universal,  o cálculo, simples

inventário que se transforma para que fique

destruído. Depois é a última voz que chega, isto, o silêncio.


GUIMARÃES, Fernando, Junto à pedra, Santa Maria da Feira, Edições Afrontamento, 2018, p. 19.

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