Começo e recomeço. Não adianto. Sempre que chega às letras decisivas, a caneta recua: um interdito implacável barra-me o caminho. Outrora, investido de plenos poderes, escrevia com fluência , escrevia com fluência sobre a primeira folha disponível: um pedaço de céu, um muro (impávido ante o sol e ante o meu olhar), um prado, outro corpo. Tudo me servia: a escrita do vento, a das aves, a água, a pedra. Adolescência, terra lavrada por uma ideia fixa, corpo tatuado de imagens, cicatrizes resplandescentes! O outono pascia grandes rios, acumulava esplendores nas cumeadas, esculpia plenitudes no Vale do México, frases imortais gravadas pela luz em puros blocos de assombro.
Hoje, luto sozinho com uma palavra. Aquela que me pertence, aquela a que pertenço: cara ou coroa, águia ou sol?
CESARINY, Mário, As Mãos na água, a cabeça no mar, Assírio & Alvim - Porto Editora, 3.ª edição, Porto, 2015, p.131.
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