domingo, 16 de janeiro de 2022

Procuro a tua imagem

Malagueira, Évora 

Procuro a tua imagem nos espelhos

do meio-dia, nos campos em que os rebanhos

se perdem do pastor, nas horas que o sol fere

com as suas setas para que os minutos se soltem

das veias do tempo. E vens ao meu encontro,

com o teu vestido branco, com os teus colares

de pedra, com a tua pele suave como os nenúfares

que os cisnes desejam. Desfaço com os dedos a espuma

indecisa da memória, e encontro a tua boca

húmida, os lábios de onde provei um néctar

de fonte, os olhos que o desejo abre nas manhãs

em que as aves se calam para que a tua voz

atravesse os corredores do amor. E é dentro de mim

que a tua imagem ganha a forma que as minhas mãos

percorreram. E é como se batesse à porta do corpo

que tu me abres, com o lento fogo que arde

no sabor de um abraço, para que eu te diga

que és a flor que nenhuma retórica sonhou. E

entrego-te o coração em que pulsam os sentidos

que partilhamos, os braços que acompanham

o rito da ânsia que nos une, o peito em que bate

o êxtase que nos envolve sob

o perfume do amor.


JÚDICE, Nuno, Regresso a um cenário campestre, Lisboa, D. Quixote, 2020, p. 83.

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