sexta-feira, 3 de junho de 2022

Sobre as ervas




Respiras

como se pela garganta

deslizasse todo o azul de Espanha

a noite

a língua do vento


sem outras mãos


outros olhos

para beber no escuro.


Deita-te sobre o meu peito

inclina    

     até ao chão

as frágeis

hastes da beleza.



As palavras 

onde te escondes


altas

    passam


passam as águas

dóceis

do verão.


É tempo

já as amoras sangram

é tempo ainda


abre-me as portas do teu corpo

ó meu amor


deixa-me entrar.


Já sobre ti

de aroma em aroma

os lábios todos

            caem


nupciais ou mortais os corpos

são para penetrar

        lenta

        oh

        lentamente.


As mãos

sobre a nuca 

delicadas.


Sobre as ervas

o leite

espesso do silêncio.


ANDRADE, Eugénio de, Véspera da água, Porto, Assírio e Alvim, 2014, pp. 35-36.

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