quinta-feira, 12 de junho de 2025

Brilha... o mar é perto

Praia da Rocha, Portimão 


Brilha o teu tecido circular,

A terra é um átrio: o mar é perto.

Há passos de mulher descalça.

O mundo é novo.

A terra clara.


Eu sou o homem que te ama e escuta

concentradamente no calor dum muro.

Cerrado, oiço a tua unidade plural,

vejo teus dedos grossos,

tuas marcas fêmeas, tua elegância dolorosa.

Teus seios me nutrem, olhando-te.


Mastigo-te, raiz, e quase te oiço.

Construo um músculo verbal em teu ouvudo,

alimento-me do teu mar visual e lento:

renasço pouco a pouco no teu horizonte dado.

Revejo-me num corpo ao pé do mar.


Silêncio no teu olhar, na tua boca.

Em tua língua primitiva o mar se olha.

É o deserto e falas, boca brusca

De ignorado alento.

Não te construo, constróis-me, construo-te

Construo-te, mar,

Parede pura,

Criada.


Aqui onde o sol se acende em carne,

Onde a casa é um nome de mar,

E os frutos e os espelhos 

Amadurecem o corpo solidário:

É Verão.


Aqui tu és 

Lenta verdade no sossego do sangue:

Circulação de nomes e de peixes.


Aqui, à fome dos nomes e dos seres,

Respondes, corpo do mar, coluna real

E teus acidentes se cumprem como ondas.

Aqui te palco, vela, aqui te vejo, pomo,

Formas meus braços, se te enleio,

Desato simplesmente os teus anéis,

bebo-te sem te extinguir e sem me esperares.

Amanhã serás tu, sendo já hoje.


Recebendo-te como outra, outra nasces

e a ti mesma te igualas, porque és mar.

Teu corpo denso se aproxima, ora se afasta.

Há um perfume de uma noite inextinguível

nas tuas coxas claras.



ROSA, António Ramos, Poesia presente - Antologia, Porto, Assírio e Alvim, 2014, pp. 52-53.

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