![]() |
| Praia da Rocha, Portimão |
Brilha o teu tecido circular,
A terra é um átrio: o mar é perto.
Há passos de mulher descalça.
O mundo é novo.
A terra clara.
Eu sou o homem que te ama e escuta
concentradamente no calor dum muro.
Cerrado, oiço a tua unidade plural,
vejo teus dedos grossos,
tuas marcas fêmeas, tua elegância dolorosa.
Teus seios me nutrem, olhando-te.
Mastigo-te, raiz, e quase te oiço.
Construo um músculo verbal em teu ouvudo,
alimento-me do teu mar visual e lento:
renasço pouco a pouco no teu horizonte dado.
Revejo-me num corpo ao pé do mar.
Silêncio no teu olhar, na tua boca.
Em tua língua primitiva o mar se olha.
É o deserto e falas, boca brusca
De ignorado alento.
Não te construo, constróis-me, construo-te
Construo-te, mar,
Parede pura,
Criada.
Aqui onde o sol se acende em carne,
Onde a casa é um nome de mar,
E os frutos e os espelhos
Amadurecem o corpo solidário:
É Verão.
Aqui tu és
Lenta verdade no sossego do sangue:
Circulação de nomes e de peixes.
Aqui, à fome dos nomes e dos seres,
Respondes, corpo do mar, coluna real
E teus acidentes se cumprem como ondas.
Aqui te palco, vela, aqui te vejo, pomo,
Formas meus braços, se te enleio,
Desato simplesmente os teus anéis,
bebo-te sem te extinguir e sem me esperares.
Amanhã serás tu, sendo já hoje.
Recebendo-te como outra, outra nasces
e a ti mesma te igualas, porque és mar.
Teu corpo denso se aproxima, ora se afasta.
Há um perfume de uma noite inextinguível
nas tuas coxas claras.
ROSA, António Ramos, Poesia presente - Antologia, Porto, Assírio e Alvim, 2014, pp. 52-53.

Sem comentários:
Enviar um comentário