Não sei de amor senão o amor perdido
O amor que só se tem de nunca o ter
Procuro em cada corpo o nunca tido
e é esse que não pára de doer.
Não sei de amor senão o amor ferido
de tanto te encontrar e te perder.
não sei de amor senão o não ter tido
teu corpo que não cesso de perder
Nem de outro modo sei se tem sentido
Este amor que só vive de não ter
O teu corpo que é meu porque perdido
Não sei de amor senão esse doer.
Não sei de amor senão esse perder
Teu corpo tão sem ti e nunca tido
Para sempre só meu de nunca o ter
Teu corpo que me dói no corpo ferido
Onde não deixou nunca de doer
Não sei de amor senão o amor perdido.
Não sei de amor senão o sem sentido
Deste amor que não morre por morrer
O teu corpo tão nu nunca despido
O teu corpo tão vivo de o perder
Neste amor que só é de não ter sido
Não sei de amor senão esse não ter.
Não sei de amor senão o não haver
Amor que dure mais que o nunca tido.
Há um corpo que não pára de doer
Só esse é sempre meu de nunca o ser
Não sei de amor senão o amor ferido.
Não sei de amor senão o tempo ido
Em que o amor era amor de puro arder
Tudo passa mas não o não ter tido
O teu corpo de ser e de não ser
Só esse é meu por nunca ter ardido
Não sei de amor senão esse perder.
Cintilante na noite um corpo ferido
Só nele de o não ter tido eu hei-de arder
Não sei de amor senão amor perdido.
XPTO
ALEGRE, Manuel, Livro do português errante, Lisboa, Publicações D. Quixote, 2022, p.p. 49-50.
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