quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Não sei de amor senão

Não sei de amor senão o amor perdido

O amor que só se tem de nunca o ter

Procuro em cada corpo o nunca tido

e é esse que não pára de doer.

Não sei de amor senão o amor ferido

de tanto te encontrar e te perder.


não sei de amor senão o não ter tido

teu corpo que não cesso de perder

Nem de outro modo sei se tem sentido

Este amor que só vive de não ter

O teu corpo que é meu porque perdido 

Não sei de amor senão esse doer.


Não sei de amor senão esse perder

Teu corpo tão sem ti e nunca tido

Para sempre só meu de nunca o ter 

Teu corpo que me dói no corpo ferido

Onde não deixou nunca de doer

Não sei de amor senão o amor perdido.


Não sei de amor senão o sem sentido

Deste amor que não morre por morrer

O teu corpo tão nu nunca despido

O teu corpo tão vivo de o perder

Neste amor que só é de não ter sido

Não sei de amor senão esse não ter.


Não sei de amor senão o não haver

Amor que dure mais que o nunca tido.

Há um corpo que não pára de doer

Só esse é sempre meu de nunca o ser 

Não sei de amor senão o amor ferido.



Não sei de amor senão o tempo ido 

Em que o amor era amor de puro arder

Tudo passa mas não o não ter tido

O teu corpo de ser e de não ser

Só esse é meu por nunca ter ardido

Não sei de amor senão esse perder.


Cintilante na noite um corpo ferido

Só nele de o não ter tido eu hei-de arder

Não sei de amor senão amor perdido.


XPTO 


ALEGRE, Manuel, Livro do português errante, Lisboa, Publicações D. Quixote, 2022, p.p. 49-50.

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