terça-feira, 4 de julho de 2017

Migrações alentejanas



E então, indo os trabalhadores para as cidades ajudar a construir prédios, ou entrando nas fábricas para se ocuparem de serviços subalternos, os homens do campo elegeram a Baixa da Banheira, Moscavide, Barreiro, Sacavém, Pontinha ou Brandoa, no que respeita à periferia da capital, como lugares novos feitos para corações transplantados do ar das planícies, e quase todos mal se adaptando a tais meios. Viram-se, no entanto, libertos de uma tutela ancestral, despida de qualquer espécie de coexistência humana, onde eram, não raras vezes, tratados como gado, como escravos às ordens dos senhores, e até há pouco visitavam as terras para ver os pais e levarem, para bem longe, a mulher e os filhos. Era uma vingança contra o fascismo rural que os fustigou durante tantos anos. Ao mesmo tempo, sentem uma inexprimível saudade, um desmedido orgulho de serem transtagana gente, uma funda amargura que não expressam por nenhum gesto, uma funda amargura que não expressam por nenhum gesto e nenhuma palavra, mas nunca mais querem ser vassalos de quem por eles, não teve qualquer aceno afectuoso e fraternal.  

SILVA, Antunes da, Suão, Livros Horizonte, Lisboa, 7.ª Edição, 1985, p. 10.

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