quinta-feira, 25 de dezembro de 2025

Em redor das mãos

 Ouve

O tempo bate como um coração puro


Deixa que o odor velho do barro se misture com a noite

Enquanto a água em silêncio envolve os séculos 

Pelo limo do mármore 


Desliza ao fundo o barco abrindo água 

O tempo imperceptível 

E deixa ainda que a palavra repouse no teu colo

Enquanto em cima a noite explode

E as madrugadas navegam nas artérias todos os lugares

Os canais fluidos do amor


Agora que a manhã absorve os primeiros sussurros do fogo

E sobre as águas a morte sobrevém

Os corpos constroem no suor a última Atlântida

De pedra e água 


Passa por nós a vida e apenas restam marcas

Alguns vestígios no olhar

Passa por nós o tempo e restam os amigos

Sempre iguais


Esqueceste o teu rosto de perfil para a noite

Onde efémeros lugares habitam a memória 

E eu revejo interminavelmente todos os nomes


O teu olhar roubou pequenos brilhos às estrelas


Olho em redor das mãos 

Sorris

E à nossa volta é tudo só vestígios.


RIBEIRO, Rui Casal, Escrever a água, Lisboa, Edições Colibri, 2018, pps. 20-21.

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