sexta-feira, 31 de outubro de 2025
Que importa...?
Que importa que todos me esqueçam
Mesmo sem querer?
SENA, Jorge de, Perseguição, Porto, Assírio e Alvim, 2021, p. 50.
Esperar...
Esperar que voltes é tão inútil como o
Sorriso escancarado dos mortos na
Necrologia dos jornais
E no entanto de cada vez que
A noite se rasga em barulhos no elevador e
Um telefone se debruça de um sexto andar
Sinto que ainda ficou uma palavra minha
Esquecida na tua boca
E que vais voltar
Para
a
devolver
VIEIRA, Alice, Os armários da noite, Alfragide, Editoral Caminho, 2014, p. 27.
quinta-feira, 30 de outubro de 2025
Ponto de partida
Não me apetece fazer nada
Nasci para amar e ser amada
Mas esta espera nunca mais acaba
Decidi esperar a morte!
Pelo menos ela sei que vem...
Já que parece que ao amado nunca lhe convém...
Ambiciono a sua companhia
Mas só vejo o passar do dia
Tenho de desistir
Amar não deveria significar entristecer
E devo de uma vez perceber
Que não há desejar
No seu pouco tempo para me ver
Porque nunca serei a água que alimenta a árvore
Ai vida, a sede é só minha
Acabei com a quantidade
E investi na qualidade
Zero à esquerda
Falta de sorte ao jogo e ao amor
É assim a minha vida...
Deus me dê coragem para voltar ao ponto de partida...
Xpto
segunda-feira, 27 de outubro de 2025
O perigo de acumular silêncios
O perigo de acumular silêncios em
Corredores vazios ou
Qualquer outro vício que a
Vida nos traz
é que depois as palavras
morrem à toa
sem flores sem canticos sem
missa do sétimo dia
VIEIRA, Alice, Os armários da noite, Alfragide, Editoral Caminho, 2014, p. 13.
sábado, 25 de outubro de 2025
sexta-feira, 24 de outubro de 2025
Cantiga de amigo, não vem?
Quero estar contigo
E mais ninguém
Mas o meu amigo
não vem...
Xpto
quarta-feira, 22 de outubro de 2025
Porque aceitei
Ah dorme e sonha que eu estou acordado,
Sonhar as pétalas da flor vermelha azul depois do amor
Havia abrir das pétalas
E dorme aonde ali onde não esperaste...
E não magoaste mais saber de mim,
o teu descanso, o teu ondulamento...
a presença firme da minha ansiedade
a confiança dela em nós, em mim, em ti,
a esperança que ela tira à nossa cavalgada
para depor nos braços do correr descalços
o nome doirado pelo segredo
pela ternura de mais outro ofegar humilde,
hoje mesmo essa ilusão tranquila entre as ribeiras gentis
e o som agudo entre as escarpas do perdão sanguíneo,
violentamente
amor
violentamente
porque aceitei não te dizer porquê,
porque aceitei olhar no teu olhar e não ver nada
além do nosso bafo no metal polido...
(...)
SENA, Jorge de, Perseguição, Porto, Assírio e Alvim, 2021, p. 72.
Estás sozinho
Estás, sozinho, sozinho, ninguém te deve a vida,
As palavras da verdade são puras, têm asas, não agradecem,
a gratidão não é uma virtude dos anjos.
SENA, Jorge de, Perseguição, Porto, Assírio e Alvim, 2021, p. 58.
terça-feira, 21 de outubro de 2025
sexta-feira, 17 de outubro de 2025
quinta-feira, 16 de outubro de 2025
Tudo é a incerteza sensual da vida sentida pela espinha abaixo...
PESSOA, Fernando, Tenho medo de partir - um livro de viagens, Lisboa, Guerra e Paz, 2018, p. 24.
quarta-feira, 15 de outubro de 2025
Isto não é um conto de fadas
Isto não é um
conto de fadas.
Não há nenhuma
princesa.
não há nenhuma
donzela.
não há nenhuma
torre.
não há
dragões.
existe simplesmente
uma rapariga
que enfrenta a
difícil tarefa
de aprender a
acreditar
nela mesma
LOVELACE, Amanda, Aqui a princesa salva-se sozinha, Alfragide, Oficina do Livro, 2019, p. 11.
Um nome escrito no tempo
Teu nome antes mesmo do caderno
teu nome na negra lousa eu o escrevi
Eu o escrevi e apage se perdeu e renasceu
Teu nome efémero teu nome eterno
Teu nome onde eras tu mesmo sem ti
Teu nome eu o escrevi eu o perdi
Teu nome que saiu das folhas para o mundo
Apesar da tinta que lentamente esmaeceu
Teu nome eu o escrevi e se inscreveu
De tal modo dentro de mim tão fundo
Que já não sei se és tu ou eu.
ALEGRE, Manuel, Livro do português errante, Lisboa, Publicações D. Quixote, 2022, p. 56.
Vou
![]() |
| Forte de Elvas |
Vou subindo por mim mesmo,
Cantarolando de mim mesmo
JONAS, Daniel, Canícula, s.l., Língua morta, 2017, p. 47.
terça-feira, 14 de outubro de 2025
Para quem não é nada, como um rio, o correr deve ser vida
Bernardo Soares- Pessoa, Fernando, Tenho medo de partir - um livro de viagens, Lisboa, Guerra e Paz, 2018, p. 156.
Vem comigo, meu amor...
Vem comigo, meu amor,
Vamos passear na Natureza.
E ela ficará com mais uma flor,
Com a tua presença e beleza.
Encherás de amor a tua alma,
E de paz o meu nobre coração.
Com aromas de flores campestres,
E o cantar suave do trigueirão.
Caminharemos por onde andei,
Espalhando trovas no vento,
Na presença de coisas que amei.
Como o aroma das urzes e arçãs,
E o cantar das pedras do rio,
Que cantavam todas as manhãs.
RODRIGUES, João de Deus, Como era linda a primavera!, Lisboa, Edições Colibri, 2021, p. 101.
Entre paredes
Não sei a quem entregar a minha vida.
Se às paredes brancas que me cercam
Se à lonjura azul que nada cerca
mas aproxima.
Aproxima-nos, é bom de ver.
Estou no meio, oferecida, sem roupas
sem divã, sem cobertor, sem compressas
de coração à mostra, descoberto sob a pele
exposto como o de Jesus Cristo
na litografia da parede.
Um raio, talvez queira a minha vida.
Uma torrente, talvez queira a minha vida.
A poeira talvez queira a minha vida.
O cão, talvez o cão que cheira a estrume
e lambe as feridas, queira a minha vida.
Talvez ele me ladre.
O Livro que procuro não quer a minha vida.
JORGE, Lídia, O Livro das tréguas, Lisboa, Edições D. Quixote, 2019, p. 26.
Acontecimento
Antes, eu era uma pedra das montanhas
E tudo em tudo estava reunido -
O silêncio e a sombra, a voz e a lua.
antes, eu era uma pedra.
depois o animal saiu da esfera dessa poeira
prensada pelos milénios e espojou-se na relva.
Veio uma luz brilhante e disse -
Esta é a tua vida, tens um prazo.
E eu quis que a alegria batesse palmas
E dissesse- isto é a minha vida.
Sentei-me na relva e comi-a três vezes por dia.
Imenso é este mar de flores, o mundo.
Podem dizer o que disserem sobre a morte
Haja o que houver para além desse portão-
Conheci o sabor das ervas verdes, dei-lhes nomes
Não voltarei mais a ser a pedra das montanhas.
A luz brilhante pode proclamar- não valeu de nada a tua vida.
Isso é muito mais. Mas não poderá dizer - Tu não acontecesse.
Acontecido, e essa é a minha honra desmedida.
JORGE, Lídia, O Livro das tréguas, Lisboa, Edições D. Quixote, 2019, p. 13.
O único sentido é procurar
Talvez a própria vida seja isto
Passar montanha e mar sem se dar conta
De que o único sentido é procurar.
ALEGRE, Manuel, Livro do português errante, Lisboa, Publicações D. Quixote, 2022, p. 46.
O teu riso
Tira-me o pão, se quiseres,
Tira-me o ar, mas
Não me tires o teu riso.
Não me tires a rosa,
a flor de espiga que desfias,
a água que de súbito
jorra na tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.
A minha luta é dura e regresso
por vezes com os olhos
cansados de terem visto
a terra que não muda,
mas quando o teu riso entra
sobe ao céu à minha procura
e abre-me todas
as portas da vida.
Meu amor, na hora
mais obscura desfia
o teu riso, e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
Ri, porque o teu riso
Será para as minhas mãos
Como uma espada fresca.
perto do mar no outono,
o teu riso deve erguer
a sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero o teu riso como
a flor que eu esperava,
a flor azul, a rosa
Da minha pátria sonora.
ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
curvas da ilha,
ri-te deste rapaz
desajeitado que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando os meus passos se forem,
quando os meus passos voltarem,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas o teu riso nunca
Porque sem ele morreria.
NERUDA, Pablo, Poemas de amor, Lisboa, 2.a edição, Publicações D. Quixote, 2019, p. 21.
segunda-feira, 13 de outubro de 2025
O funcionário cansado
A noite trocou-me os sonhos e as mãos
Dispersou-me os amigos
Tenho o coração confundido e a rua é estreita
Estreita em cada passo
As casas engolem-nos
Sumimo-nos
Estou num quarto só num quarto só
Com os sonhos trocados
Com toda a vida às avessas a arder num quarto só
ROSA, António Ramos, Poesia presente - Antologia, Porto, Assírio e Alvim, 2014, p. 20.

















































