terça-feira, 14 de outubro de 2025

Entre paredes

Não sei a quem entregar a minha vida.

Se às paredes brancas que me cercam

Se à lonjura azul que nada cerca

mas aproxima.


Aproxima-nos, é bom de ver.

Estou no meio, oferecida, sem roupas 

sem divã, sem cobertor, sem compressas

de coração à mostra, descoberto sob a pele

exposto como o de Jesus Cristo 

na litografia da parede.


Um raio, talvez queira a minha vida.

Uma torrente, talvez queira a minha vida.

A poeira talvez queira a minha vida.

O cão, talvez o cão que cheira a estrume

e lambe as feridas, queira a minha vida.

Talvez ele me ladre.


O Livro que procuro não quer a minha vida.


JORGE, Lídia, O Livro das tréguas, Lisboa, Edições D. Quixote, 2019, p. 26. 

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