quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Primeira voz

Ninguém consegue escrever o poema 

Captar a batida o ritmo a música inicial 

Cantar de dentro do epicentro 

Da palavra só lava

não mais que rio ardente

um fluxo de sangue 

um batimento. Ou

vento. Apenas vento

no grande deserto da linguagem. 

Miragem de miragem: breve

fria aragem

Do fundo. Matemática do mundo

ainda só oiro e ferro e prata.

Ou puro magna. Talvez 

a enigmática equação 

de Deus.

libélula inconcreta na cauda de um cometa

unicélula

na página do planeta

ainda só brancura de salgema.

E ninguém 

sabe 

quem

nem de onde nem porquê nem quando esse poema.



ALEGRE, Manuel, Livro do português errante, Lisboa, Publicações D. Quixote, 2022, p. 28.

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