terça-feira, 14 de outubro de 2025

O teu riso

Tira-me o pão, se quiseres,

Tira-me o ar, mas

Não me tires o teu riso.


Não me tires a rosa,

a flor de espiga que desfias,

a água que de súbito 

jorra na tua alegria,

a repentina onda

de prata que em ti nasce.


A minha luta é dura e regresso 

por vezes com os olhos

cansados de terem visto

a terra que não muda,

mas quando o teu riso entra

sobe ao céu à minha procura

e abre-me todas

as portas da vida.


Meu amor, na hora 

mais obscura desfia

o teu riso, e se de súbito 

vires que o meu sangue mancha

as pedras da rua,

Ri, porque o teu riso

Será para as minhas mãos 

Como uma espada fresca.


perto do mar no outono,

o teu riso deve erguer

a sua cascata de espuma,

e na primavera, amor,

quero o teu riso como

a flor que eu esperava,

a flor azul, a rosa

Da minha pátria sonora. 


ri-te da noite,

do dia, da lua,

ri-te das ruas

curvas da ilha,

ri-te deste rapaz 

desajeitado que te ama,

mas quando abro

os olhos e os fecho,

quando os meus passos se forem,

quando os meus passos voltarem,

nega-me o pão, o ar,

a luz, a primavera,

mas o teu riso nunca

Porque sem ele morreria.


NERUDA, Pablo, Poemas de amor, Lisboa, 2.a edição, Publicações D. Quixote, 2019, p. 21.

Sem comentários: