Queria encontrar uma palavra, entre a saudade
E o absoluto, que me permitisse pensar sobre a vida,
Isto é, sobre alguma coisa. Pôr-me-ia no lugar do filósofo
e começaria por dizer que, se a vida
é alguma coisa, será no absoluto desse algo que
algo surgirá para iluminar o pensamento. Porém,
as distrações da vida começam a impor-se
entre mim e esse pensamento que procuro. Canso-me
de não saber mais do que aquilo que faz parte
Deste mundo que me rodeia: o mundo
Por onde passa um rio que não vejo e as únicas árvores
São essas que ainda crescem ao longo das avenidas,
Sob o fumo do passado que esconde a névoa
do futuro. Podia pegar num caderno de apontamentos
E percorrer as folhas em branco: aí, nesse vazio de palavras,
A palavra essencial é o nada que as preenche
Da primeira à última. Então, começo a escrever
Como se isso me ajudasse a encontrar um sentido; e,
Acabo com a saudade do caderno vazio
Perante o absoluto das palavras que o enchem.
Júdice, Nuno in A mais frágil das moradas - poemas à memória de Eduardo Lourenço, Lisboa, Guerra e Paz Editores, 2023, p. 101.
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