sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Os meus sonhos jazem

Évora 


Na sombra e no frio da noite os meus sonhos jazem.

Um frio maior cresce do abismo,  e decresce.

Toca-me o coração de dentro a Mão que conhece.

As estrelas sobem. Por cima de mim se desfazem.

Ah, de que serve o sonho? O que acontece 

Não é o que nós queremos, mas o que os Deuses fazem.


O silêncio oscila. Na inércia da hora paira

Um murmúrio ansioso da sombra.


A minha vontade é um acto alheio, um gesto visível 

A olhos para quem o mundo visível é o que nós não vemos.


De que braço é todo o meu ser um só gesto abstracto?

Que movimentos no ar são as minhas acções queridas?

Falta ao meu senso de mim um ajuste e um tacto.


Jaz no chão com meus sonhos a cinza de todas as vidas.


PESSOA, Fernando, Poemas esotéricos,  Porto, Assírio e Alvim, 2020, p. 54.

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